Planejar ou não planejar. Eis aí uma questão?

– “As pessoas aprendem melhor quando colocam a mão na massa.”

– “Erre muito, e erre rápido.”

– “Planeje menos e aja mais.”

Estão aí três exemplos de frases que temos ouvido com frequência e, aliás, com as quais concordamos.  O fazer ocupa um espaço fundamental na construção de conhecimento e, em especial, no processo de tornar tangível o que habita o campo das ideias, das propostas, do que está sendo discutido e planejado. Nosso cérebro precisa mesmo que coloquemos a “mão na massa”, para que sintetize, processe e dê vazão não apenas ao que está no nosso nível consciente, mas no nosso subconsciente. Aqui mesmo, no blog, já falamos sobre o quão conectadas estão as nossas mãos com o nosso cérebro, e sobre a importância de utilizá-las como meio de acesso a instâncias da consciência que não conseguimos acessar de forma espontânea, mas que interferem no nosso comportamento dentro e fora do trabalho.

Ao mesmo tempo, ao submetermos uma ideia à prática temos a chance de colocá-la à prova, ver o que funciona e o que não funciona, evidenciar os erros. Um erro detectado e corrigido é aprendizado. Errar antes pode significar, portanto, acertar antes também, o que é positivo num cenário que nos pede por velocidade de adaptação e criação de referência no mercado.

O que tem nos chamado a atenção, no entanto, é que, com bastante frequência, sempre que se discute a importância da ação, do teste e da prática, cria-se um antagonismo entre o fazer e o planejar, e um lugar para o planejamento que compete com a criatividade, com a inovação, com a liberdade experimentativa, e onde, portanto, emerge um discurso excludente. Seria, de forma simplificada, como dizer que, nos espaços em que as pessoas não estão preocupadas em planejar o negócio de que fazem parte é que as condições estão mais favoráveis para respostas e adaptações mais ágeis, para o surgimento de boas ideias e de grandes projetos.

Nesse ponto fazemos nossas ressalvas.

Pense na hora que tem que pensar

palestrasExiste um timing para o planejamento e, portanto, acreditamos que todo negócio ou processo criativo comporta esse timing. O que devemos observar é que o planejamento não tem como objetivo esgotar todas as possíveis arestas de um projeto, nem chegar a um cenário em que os participantes se sintam totalmente confortáveis sobre tudo. Perseguir a certeza em um projeto é algo que tende a tornar o planejamento mais longo do que ele deve ser, já que essas certezas são pessoais, contextuais e transitórias. A certeza é, portanto, uma ilusão que não devemos perseguir.

Quando o planejamento se torna nocivo, ele barra a ação ao invés de embasa-la e impulsioná-la. Isso significa que o planejamento está ocupando um ciclo mais longo do que precisa, e diante disso, há um rico iminente de perda de contexto. Ou seja, planeja-se tanto, que quando o projeto vai pra prática, ele pode já não se aplicar, seja porque algo similar ou superior foi introduzido por outra empresa, ou porque houve alguma mudança circunstancial importante no mercado, com outros players ou com o próprio consumidor. Dessa forma, recomendamos o ciclo do tipo PLAN – DO – PLAN – DO, que casa planejamento e prática, ao invés do fluxo PLAN – PLAN – PLAN – DO, onde a primeira etapa se estende, sem que o teste possa contribuir para realimentar o próprio plano.

Improvisar sobre o improviso não é tarefa fácil

Nós acreditamos na reflexão como oxigênio. Criar momentos para pesquisa, análise, e para a definição de objetivos e estratégias, submetendo uma ideia ou negócio a possíveis interferências e condições internas e externas, é uma forma de experimentá-lo sob uma perspectiva bem diferente da de quando estamos atuando no nível da execução apenas. Fora isso, para a tomada de decisões, ou para reagirmos a mudanças ou situações que nos surpreendam ou criem dificuldades para o negócio, não ter um planejamento do qual partir, para refinar ou rever uma linha de raciocínio, significa improvisar sobre o improviso.

E, não se enganem, a criatividade precisa de limites para ser potencializada. O planejamento atua como esse limite, essas regras do jogo que permitem saltos qualitativos importantes. Um terreno onde tudo pode é pobre e pouco fértil para a emergência de soluções. Daí a dificuldade de criar num terreno construído sobre o improviso.

As empresas planejam demais?

A nossa prática nas empresas nos leva a crer que o problema não é o excesso de planejamento, mas a descontinuidade entre o que foi pensado e a estrutura real da organização. Um bom plano está em diálogo com a cultura e com a estrutura da empresa a que se destina, e não atua de modo a burocratizar a prática, mas de otimizar a atuação de pessoas e a aplicação de processos. Ouvimos muitas vezes que “os planejamentos são lindos, mas não se aplicam”. Essa não é uma condição sine qua non do planejamento. Pelo contrário. Desmistificar isso é reconectá-lo ao lugar que ele deve estar, permitindo o trabalho que prima pela profundidade, pelo resultado e pelo aprendizado contínuo. Pensar de forma sistematizada é abrir espaço para conectar ideias, fazer amarrações, construir sentido, afinal. Um trabalho é, sempre, muito mais que um conjunto de tarefas.  🙂

 

Por Maria Luiza Tavares – Sócia Diretora da Argumento Digital